Essa é uma análise que se propõem crítica, de denuncia e de convocação, feita com base no primeiro encontro do Pró-capoeira realizado nos dias 08, 09 e 10 de Setembro de 2010.
Trataremos de denunciar o que entendemos ser, os rumos equivocados que tem tomado a condução e estruturação do pró-capoeira, resultando nos encaminhamentos frontalmente opostos ao coletivo da capoeira. Já a convocação é uma necessidade definida em assembléia realizada em salvador no dia 22 de setembro de 2010, na qual definimos, dentre outros encaminhamentos, convocar o maior número possível de camaradas para agregar no movimento.
Na postagem anterior, mostramos como foi realizada a chamada para os consultores, bem como os critérios para ser consultores. De fato a chamada foi feita e dois representantes foram selecionados, porém, não foram publicados os resultados da seleção para os cargos de consultores, também o critério de escolha desses consultores é pouco significativo, haja vista, que esses consultores “deveriam” escolher capoeiristas que fossem qualificados para debater políticas públicas, portanto “deveriam” ser além de pesquisadores na capoeira, militantes de amplo conhecimento na comunidade de capoeira, ou ainda, serem mediadores de uma assembléia em que os próprios capoeiristas em suas regiões nomeassem os representantes.
Mas não ocorreu dessa forma, como mostrou os resultados em Recife, traduzidos na insuficiência do debate e nas propostas finais, logo a problemática da escolha dos consultores ou de falta de orientação para estes desencadeou outro problema, a escolha de representantes por região sem a devida qualificação.
Vamos entender o que estou caracterizando como desqualificado.
A gestão do Pró-capoeira selecionou eixos temáticos, em torno dos quais irão se centrar os debates e encaminhamentos de políticas públicas, sendo estes: Capoeira e Educação; Capoeira e Política de Desenvolvimento Sustentável; Capoeira e Políticas de Fomento; Capoeira, Esporte e Lazer; Capoeira Identidade e Diversidade; Capoeira, Profissionalização, Organização Social e Internacionalização. Nestes GT´s, ou seja, grupos de trabalhos, se inscreveram aleatoriamente os capoeiristas que foram selecionados pelos consultores do Pró-capoeira para o nordeste, em sua grande maioria camaradas que estavam “perdidos” em relação as discussões propostas, assim como a função e o contexto do Pró-capoeira.
Sabemos e militamos que a consulta deve ser popular, porém devemos ter clareza que a proposição de políticas públicas por representantes da capoeira que não estejam a par da conjuntura é um grande risco, apenas ser capoeirista não qualifica o sujeito para representar uma comunidade de capoeira extremamente rica e diversificada, essa é uma tarefa que deve ser cumprida por um capoeirista militante que possam representar os interesses da comunidade em geral e não de grupos específicos com interesses próprios, e para tal representatividade esses sujeitos devem ser eleitos em assembléias de capoeiristas de cada região, e não seguir a dinâmica proposta pelo Pró-capoeira, de escolher seus consultores para que estes escolham os representantes.
Para além desse aspecto o Pró-capoeira não considerou a necessidade de associar aos eixos temáticos capoeiristas que tivessem militância especifica em cada GT. Apenas a título de exemplo, tínhamos no GT Capoeira, Profissionalização, Organização Social e Internacionalização, camaradas que sequer compreendiam os limites da regulamentação e que não tiveram nenhuma participação ou mesmo entendimento do que significou a grande luta travada contra o sistema CREF e CONFEF por estarem fora do Brasil ou mesmo por não serem atingidos pelas barreiras colocadas aos capoeiristas por esses conselhos, esses mesmos camaradas no debate referente a regulamentação da profissão estavam propondo ou concordando com a criações de conselhos de capoeira para regulamentar a prática capoeira, além de propor a formação em capoeira vinculada a instituições de ensino formal, ou seja, nada muito diferente das propostas do Sistema CREF e CONFEF.
Estou concluindo que ser qualificado para debater políticas públicas para um coletivo é pertencer a esse coletivo e estar a par do que ha de mais avançado no debate.
É também exemplo dessa falta de qualificação, caracterizada pela defesa de interesse próprios, os encaminhamentos propostos GT de Capoeira, Esporte e Lazer, que sacudiram de indignação a plenária final, que não pode se posicionar. Outro ponto que retomaremos no final.
Na seqüência e não dissociado dos problemas até agora considerados, temos outra grande inquietação, que se refere aos textos norteadores dos debates para cada grupo de trabalho. Estes textos foram entregues para todo os convidados (termo utilizado para os representantes de estado) antes dos debates nos GT´s.
Em principio são textos sem autoria, com um forte cunho tendencioso, em alguns textos as questões direcionadas são proposições que evidenciam uma determinada perspectiva para a capoeira, apenas a título de exemplo vale citar uma pergunta elaborada ao final do texto do GT de Capoeira, Esporte e Lazer, que questiona “quais as conseqüências da inserção da capoeira como esporte olímpico?”.
Não esta se perguntando antecipadamente, o que é esporte um olímpico, qual a origem do esporte olímpico, qual a origem da capoeira, se é de interesse da comunidade a articulação de capoeira com esporte olímpico, pelo contrário, indiretamente se propõem a capoeira como esporte olímpico levantando suas conseqüências. O resultado desse GT foi o que mais causou inquietação na plenária final.
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Reunião no Hotel jangadeiro
Foto:João Walter |
É importante considerar um fato ocorrido em Recife relacionado a edição e circulação dos textos norteadores.
No dia 08 de setembro, por volta das 10h da noite, nos reunimos na cobertura do hotel Jangadeiro, especialmente a delegação da Bahia, camaradas do Ceará, Pernambuco e outros estados para montar uma estratégia de participação política no encontro, dentre um conjunto de problemas levantados foi considerado a necessidade de se posicionar sobre os textos.
O resultado dessa reunião foi a formulação de um manifesto que se posicionava, dentre outras coisas, questionando a autoria dos textos.
Até aqui poderemos levantar uma desconfiança, comportamento previsível nos capoeiras, principalmente em relação ao governo que elaborou como primeira iniciativa de política pública em relação a capoeira, a criminalização.
A suspeita que levanto é conseqüente da seguinte associação: critérios de seleção de consultores insuficiente para o contexto; não divulgação dos resultados da seleção dos consultores; seleção de representantes da comunidade de capoeira sem o devido preparo para as discussões propostas; representação insuficiente e desqualificada nos GT´s; textos de cunho tendencioso, creio que não seja necessário muito esforço para entendermos porque os resultados propostos nos GT´s causaram tamanha inquietação e revolta na comunidade de capoeira que se importa com os assuntos tratados no âmbito de políticas públicas.
Continuemos a pontuar os aspectos que chamaram atenção em Recife e que muito provavelmente permanecerão no Rio e em Brasília. Após os encaminhamentos propostos nos GT´s, os textos ainda não editados, foram levados a plenária final que contaria com a presença de todos. Esses textos, ou mais precisamente tópicos propostos no debate, foram apenas lidos e não foram submetidos a avaliação na plenária final, ou seja, tomando como exemplo os encaminhamento do GT de Capoeira, Esporte e Lazer, foi definido: “O Ministério das relações exteriores junto com um grupo interministerial deve tomar a iniciativa de formalizar a capoeira em outros países, conforme as entidades desportivas internacionais, através da padronização de suas regras desportivas”. Essa definição foi elaborada por coletivo de capoeiristas pouco significativo em termos de número, bem como em diversidade relacionada ao debate sobre as relações de esporte olímpico, esporte e capoeira, a grosso modo essa definição foi proposta por um coletivo de capoeiristas que, em sua grande maioria, representam os grupos que tem um trato exclusivamente esportivo com a capoeira.
Pergunto a vocês camaradas, esse posicionamente é consenso da comunidade em geral de capoeiristas do nordeste? No entanto, foi encaminhado e será considerado no encontro nacional juntamente com as propostas das demais regiões do Brasil, que como todos sabem, tem em sua grande maioria de representantes, uma história de afinidade com a referida idéia.
A responsabilidade de resultados como esse é reflexo da desorganização e falta de estrutura séria e comprometida das instituições pública com a capoeira. Certamente cabe a comunidade de capoeira exercer um papel mais ativo e organizado agora, esse é o propósito desse artigo, que ao final apresentará os encaminhamentos já propostos na Bahia.
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Márcia Sant'anna - Diretora do departamento
de Patrimônio Imaterial do IPHAN |
Não estou falando de falta de organização de maneira aleatória, considero isso também, com base nas palavras da diretora do departamento de Patrimônio Imaterial do IPHAN, que publicamente reconheceu o despreparo do Pró-capoeira quando afirma que tinha consciência de erros na condução do Pró-capoeira, porém so restavam duas opções, ou fazia da maneira que vem sendo feito ou não fazia.
A irresponsabilidade na condução do Pró-capoeira pode trazer seriíssimos problemas para a comunidade de capoeiristas, a exemplo de uma formulação como essa apresentada no GT de Capoeira, Esporte e Lazer, que sem dúvida não reflete a necessidade, tradição, coerência e opinião da comunidade de capoeira em geral.
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Leitura final dos tópicos propostos |
É importante ainda observar que os encaminhamentos propostos nos GT´s em forma de tópicos mediados por consultores do Pró-capoeira contratados pela Intercult-BSB serão editados por eles, e por mais que tivéssemos solicitados a publicação de tais resultados, até a presente data, 11 de outubro de 2010, não foram publicados.
De forma sintética os encaminhamentos propostos nos GT´s que mais inquietaram a comunidade de capoeira em geral e que foram motivo de mobilização na Bahia propõem: a) a articulação da formação em capoeira as instituições de ensino formal, rompendo com a tradição de formação na capoeira pela mediação do Mestre, cabe o exemplo do tópico recortado GT Capoeira, Esporte e Lazer: “Os velhos mestres já tem direito adquirido e devem participar dos encontros para capacitar os capoeiristas.Porém, os capoeiristas novos devem ser qualificados pelas instituições do Governo Federal, devendo entrar no curso de capacitação para depois alcançar o emprego de professor”; b) como visto anteriormente, o mesmo GT propõem a formalização e padronização da capoeira como esporte olímpico.
Vale ressaltar que o GT Capoeira e Educação também evidencia a formação associada ao ensino formal.
Em função dos resultados do primeiro encontro do Pró-capoeira em Recife, tirada as devidas conclusões apresentadas, se reuniram em 22 de setembro, em Salvador-Bahia no forte da capoeira um número significativo de representantes da comunidade de capoeira, com o propósito de se mobilizar frente aos encaminhamentos do Pró-Capoeira, bem como as formulações tiradas nestes GT´s que seguramente não refletem a maioria da comunidade de capoeira.
Clique aqui e veja as fotos da assembléia realizada em Salvador
Dessa assembléia resultou um manifesto que agora apresentamos...